A Visita

21 julho, 2021

Peguei-me pensando na única família que já tive, e que se fora há tempos, então enchi o bule com água da pia e o coloquei no fogão, sentei-me na velha cadeira de madeira e fiquei relembrando as boas lembranças que todos eles me proporcionaram, e cada sorriso que me tiraram. 

Não chorava mais com a lembrança, tampouco me entristecia ou caía na melancolia como antes, mas sorria, com os olhos, às vezes com a boca, já fazia tantos anos que em algumas ocasiões pensava que tudo aquilo poderia ser uma ilusão de minha cabeça ao invés de belas lembranças. 

O bule chiou ao mesmo passo que a campainha ressoou alto pela casa, desliguei o fogo e fui atender a porta, imaginando que seria o carteiro, sempre trazendo minhas correspondências no final da tarde. 

Fiquei surpresa e feliz em saber que não era aquele carteiro atrapalhado e sim Felícia, uma amiga de longa data. Seus cabelos grisalhos estavam espichados pelo vento forte que se arrastava lá fora. Ela me cumprimentou com um sorriso caloroso e com um abraço apertado. 

Pedi que fôssemos para a sala, onde a lareira tivera sido acesa por mim mais cedo, afim de aquecer pelo menos aquele cômodo já que mais tarde sempre esfriava. 

“Aconteceu alguma coisa, qual o motivo da visita?” Perguntei-lhe curiosa. 

“Ora, não posso apenas fazer uma visita para a única amiga viva que me restou?” 

Soltei uma risada alta, aquilo era tão mórbido, porém engraçado ao mesmo tempo. 

“Você veio em ótima hora, estava prestes a tomar um chá com biscoitos, estes feito pela filha da vizinha.” Disse alegremente. 

Ela fez um gesto de bater palmas e me esperou pacientemente trazer os quitutes. 

Felícia ainda tinha alguns familiares vivos é claro, eu que tive o infortúnio de perder os poucos que possuía muito cedo. 

Saboreamos o chá e os biscoitos um pouco doces demais, mas ainda sim saborosos. Ela me contou tantas novidades sobre o que havia acontecido em sua vida que poderia escrever um livro inteirinho sobre, de mim, porém, quase nada ela ouviu, apesar de eu sempre ter alguma pequena novidade para contar, faltou amigos e tudo acabou caindo no esquecimento. 

Quando o sol se pôs lá fora e finalmente sinais de que o frio chegara começaram a aparecer, Felícia elogiou meu chá e os biscoitos da vizinha, que ela fez questão de dizer que estavam bem docinhos do jeito que ela gosta, e então agradeceu pela minha companhia, e eu agradeci pela dela. 

“Antes de eu ir, lhe faço mais uma visita!” Ela disse por fim, com veemência. 

“Ir para onde?” Perguntei-lhe. 

Ela deu uma risadinha, dispôs seu chapéu rosa com margaridas, colocou sua capa verde de veludo e foi-se embora. 

Na primavera, quando o sol estava quente e radiante no céu, me pus a sair do chalé mesmo não gostando muito de dias ensolarados, senti que seria bom respirar novos ares, então visitei o parque da cidade, fui ao pequeno museu de artes, conversei e fiz novo amigos, jovens e velhos, e até caninos. 

A última vez que vi Felícia foi ao final dessa mesma primavera quando ela me fez sua última visita, sua pele estava pálida, e ela andava com a ajuda de uma bengala, parecia fraca e forte ao mesmo tempo, se é que isso é possível. E eu naquele momento entendi o que ela quis dizer daquela vez, e suas palavras ditas anteriormente ganharam sentido. 

Minha amiga partiu poucos dias depois de sua última visita. “Mais lembranças para preencher meu tempo”, pensava enquanto preparava água para um chá. E a campainha ressoou alto pela casa.

Só para complementar, este conto foi inspirado na música "The Visit" da Regina Spektor, você pode ouvi-la clicando aqui :)

3 comentários

  1. olá! lindo texto!
    apesar de que vim aqui para avisar sobre outra coisa! Estava na internet e encontrei um layout free seu, o site dizia para avisar, mas não consegui avisa lá, então estou avisando aqui ^^ será para uso pessoal, como diário então não vou deixar o blog aqui listado, mas obrigada, você tem talento com isso <3

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